Resenha: Carta náutica das desimportâncias – Fabíola Rodrigues

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Carta náutica das desimportâncias
Autora: Fabíola Rodrigues
Editora: 7 Letras]
Páginas: 85

Sinopse: De Nampula a Itabira, da despedida ao encontro, atravessando a ponte atlântica que nos une à mãe-áfrica, o olhar da poeta se desloca, atravessa paisagens inesperadas, nos revela novos sabores e lugares. Faz prosa de poema, circum-navega ilhas preciosas, expõe ao papel amores e solidões alheias – e as próprias, e as nossas. Esta Carta Náutica das Desimportâncias marca a estreia de uma poeta de estilo único, que sabe aliar uma extrema riqueza de vocabulário e de recursos linguísticos (metáforas, aliterações) a um texto que conversa com o leitor como se este fosse um velho amigo.

As palavras – belas, insólitas, extraordinárias – arrumadas em formas raras e surpreendentes delimitam os versos do primeiro livro de poemas de Fabíola Rodrigues. Durante quatro anos ela andou por África vislumbrando cenas, aromas e saberes tão exóticos e ao mesmo tempo tão familiares. Essa vivência marca muitos textos, mas também há os que transbordam feminilidade, sensualidade e a urgência de expressar-se através da poesia. Os poemas de Fabíola envolvem o leitor em uma aura única, conduzindo-o por um tempo e lugares esquecidos, porém presentes.

FABÍOLA RODRIGUES nasceu em Votuporanga, São Paulo. Socióloga, mestre e doutora em Demografia, atua na gestão pública do patrimônio cultural em Campinas (SP). Residiu na Guiné-Conakry e em Moçambique, África, entre os anos de 2011 e 2015.

separador **Cópia cedida em troca de uma resenha sincera**

“(…) que conversa com o leitor como se este fosse um velho amigo.”

E Fabíola Rodrigues faz isso de forma magistral.

Diferentemente de alguns leitores, meu trajeto pela vida literária iniciou-se com a poesia. Comumente, ouço vários amigos, alguns conhecidos e outros tantos desconhecidos expressarem a dificuldade que têm em lerem poesias ou que simplesmente não gostam do gênero. Alguns dizem que o gênero é complexo demais, repleto de um vocabulário rebuscado demais, e outros dizem até que lhes dá sono. Alguns desistem e nunca mais retornam. Outros persistem, apaixonando-se com o passar do tempo. Já no meu caso, apaixonei-me pelos versos, pelas rimas, pelos sentimentos que transbordam das palavras ainda criança; afastei-me um pouco – nunca por completo – com os anos, encontrei novos amores e novas paixões pelo caminho, mas, há uns quatro ou três anos, reencontrei meu primeiro amor, em sua grande maioria através de poetas que expõem suas obras virtualmente. Apenas muito recentemente voltei a tocar uma poesia com as mãos, e a mágica retornou ao virar de cada página. Por isso, diante da possibilidade de ler este livro, que já exala poesia em sua sinopse, e que possui em parte um pano de fundo – África – como este, seria impossível o recusar.

E Carta náutica das desimportâncias não me decepcionou. Pelo contrário, surpreendeu-me, desde a citação de Freud até os belos agradecimentos, e conquistou-me de uma forma que talvez não consiga expressar, porque, de fato, Fabíola Rodrigues e sua poesia conversam, intimamente, com o leitor, fazendo os sentimentos despertarem de tal forma que as palavras impressas se tornam vívidas, bem diante de nossos olhos, como se as estivéssemos vivenciando, bem ali, em tempo real. As palavras, as cenas descritas ganham vida diante de nós. É complicado descrever com palavras essa sensação, mas é exatamente isso: os poemas de Fabíola Rodrigues são sensoriais. Sentimos as dores, tocamos as texturas, cheiramos os aromas, enxergamos as cores fortes, degustamos os sabores que ela descreve. Uma experiência inexplicavelmente bela.

Banana trapos
Moleque poeira
Procissão de baldes
Vestes coloridas
Canto cheiro barulho
Carros moto laranja
Mulheres malabaristas
Lindo talhe delgado!
Homens à toa
Crianças penduradas
Casas mocambo buraco
Os olhos do viajante confusos veem
E não enxergam. (RODRIGUES, Fabíola, Jornada Africana, pg. 21; 2015)

Fabíola Rodrigues além de despertar nossos sentidos, também abre os olhos do leitor para os pequenos detalhes do cotidiano, para momentos simples, que muitas vezes são ofuscados pela agitação das horas e deixados de lado. A poeta resgata, com suas palavras, esses momentos e aguça a poesia já inerente em cada um deles e os eleva à lugar de destaque. Por muitas vezes peguei-me sorrindo ao terminar um poema, grata por ter tido meus olhos abertos pelas belas palavras da poeta e, assim, poder apreciar a beleza e magia de pequenos momentos que muitas vezes passaram despercebidos.

Só meu coração alvoroçado,
Choroso…
Rodopia desengonçado
Perturbando essa beleza triste (RODRIGUES, Fabíola, L’oiseau et la luie, pg. 22; 2015)

Sim. Algumas poesias requerem mais atenção, mais profundidade e esforço por parte do leitor. Às vezes, elas exigem até mesmo horas de estudo, para que possamos desvendar a intenção por trás de cada palavra, rima, analogia, verso. Lembro que passei dias a fio debruçada sobre Navio Negreiro, destrinchado cada palavra em busca do significado que o autor quis expressar ali. Não seria diferente com este livro e esses poemas. Alguns dizem logo a que vieram, outros se escondem por trás de um vocabulário mais complexo e de recursos literários esplendidamente empregados – outro ponto que merece menção honrosa para a autora –, demandando mais atenção do leitor, outros permanecem escondidos, porque a poesia não exige apenas conhecimento intelectual; a poesia exige sentimento e vivência para poder ser decifrada. Ou seja, não se culpe por não compreender um ou outro poema aqui ou ali. Talvez hoje você não o compreenda, mas amanhã irá, ou talvez ele não foi feito para ser decifrado por você. Uma das belezas da poesia é exatamente essa, a cumplicidade que ela desenvolve com o leitor. A poesia, como todas as leituras e como todas as inúmeras possibilidades de relações, também possui uma infinita gama de caminhos que pode percorrer até atingir o leitor, alguns longos, outros curtos, outros sem saída.

Docemente insisto,
hesito,
resisto,
desisto. (RODRIGUES, Fabíola, Angústia, pg. 33; 2015)

Apaixonei-me à primeira vista por alguns poemas; com outros criei uma relação que foi fortalecendo com o tempo, que foi sendo desvendada a cada releitura ou a cada minuto a mais pensando sobre aquelas palavras; e outros permanecem intactos a espera de serem desvendados algum dia por mim ou quem sabe por você?

porque há silêncios que são fado
e outros que são devotadas orações. (RODRIGUES, Fabíola, Suspiros noturnos, pg. 68; 2015)

Dentre os poemas, gostaria de destacar: Esca(la)das, Negra Noite, Jornada Africana, L’oiseau et la luie, Fragmentos II, Nampula, Angústia, Uma janela, Violetas, Confissão poética, A casa das ausências, Ira, ou balada da reconciliação, Os contornos da rutilância, Suspiros noturnos e Flor eleita.

Sem dúvida alguma, Carta náutica das desimportâncias será um livro que relerei várias e várias vezes daqui para frente, tanto no afã de desvendar aqueles poemas ainda escondidos, como para reviver as belas emoções em mim despertadas e revisitar a singeleza poética do cotidiano que foi despertada pelas palavras de Fabíola Rodrigues.

Por Fernanda Aragão

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